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O Diário de Adão e Eva

domingo, 27 de novembro de 2011

(Autor: André Filipe, Aefe)


Recentemente, foi encontrado na região da Mesopotâmia, dois documentos muito antigos, separados, que alguns estudiosos julgam crer terem sido escritos, em separados mas concomitantemente, pelos pais da humanidade Adão e Eva, no decorrer de suas vidas, como um diário, os primeiros da humanidade. Após tradução, e organização dos documentos em ordem cronológica, juntando os dois “diários”, ficou assim:

ADÃO:

No princípio criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia, até que eu abri os olhos e houve luz. E que luz. Fechei o olho rapidinho de tão forte que era. Cerrei os olhos e fui abrindo devagar até que aquela luz amarela foi tomando a forma das nuvens, dos pássaros, do céu azul. Eu vi que tudo quanto Deus havia feito era bom.

Passei por todo o jardim, tudo bom, as árvores, frutas, corri muito, aprendi a gritar do alto do monte e pular na água. Foi só depois que nomeei tudinho, escrevendo numa folha de bananeira.

À tarde, observando os animais, bateu uma tristeza porque eu não tinha para quem contar o quanto eu estava feliz. Daí tive uma ideia, peguei um pouco de barro e moldei um homem semelhante a mim… Foi neste momento que o Senhor passeava por ali, e quando o vi, corri de medo, não se porquê. Corri muito, que nem um doido. Tanto que me bateu um sono profundo, que cai na grama por muito tempo. Acordei com a sensação de um sono muito bom. Quando olhei para o lado, havia um outro alguém diferente e pulei de susto.

Quem é você? – perguntei.

EVA: Não sei… acho que eu sou você.

ADÃO: Mas você é diferente.

EVA: Então eu sou você diferente!

ADÃO:

Fiquei muito feliz porque mais que alguém igual a mim, alguém igual mas diferente é tudo o que eu sempre quis. Tratei de arrumar-lhe um ramo de flores, que deixou ela muito feliz, depois apresentei ela ao mundo, dando os nomes, e depois ensinei-lhe um jogo na água e nos divertimos muito.

À noite, ensinei-lhe o nome das estrelas. Houve tarde e manhã o sexto e melhor dia da minha vida.

EVA:

Quando acordei, Adão dormia e observei curiosa. Quando ele acordou, trocamos algumas palavras, e ele me pareceu estranho. Arrancou as pobres plantas da terra e me deu. Fiquei constrangida sem saber o que fazer com aquilo, mas agradeci com um sorriso.

Depois ele me levou para conhecer o mundo… Andamos muito e ele mal percebia que eu já estava morta de cansada, além do mais, achei tão feio os nomes que ele colocou que devo me lembrar de renomear tudo de novo.

Depois fomos para o lago brincar de um jogo bobo que ele me ensinou, mas mesmo assim nos divertimos muito.

À noite, eu estava exausta. Nos deitamos na grama e ele não parava de falar. Não prestei atenção, só me recordo da deliciosa sensação de deitar junto dele, antes de dormir.

Depois daquele dia, tudo andava muito bem. Passeávamos juntos, conversávamos muito. Às vezes ele prestava atenção. Riamos e brincávamos juntos. À noite, dormíamos descansados sobre as estrelas. Até que um dia, quando caminhávamos por uma vinha, ele sumiu! Fiquei sozinha o dia inteiro!.

ADÃO:

Os dias andavam meio pacatos, até que aconteceu: enquanto caminhava por uma vinha, uma serpente passou por mim, e quando fui pegá-la, ela me escapou. Corri atrás dela, e sempre que eu quase a pegava, ela escapava e sumia. Ficava procurando, investigando e buscando meios de capturá-la. Fiz isso a tarde toda.

Quando cheguei em casa, eu estava exausto e a Eva não parava de falar, tagarelando o tempo todo. Então saí e fui dormir na árvore, pois precisava de paz para pensar numa estratégia para pegar a serpente.

EVA:

Esperei ele a tarde toda. Fiquei preocupada, queria saber se algo havia acontecido com ele. Fiquei sozinha o dia inteiro. Quando ele chegou, ele mal prestava a atenção em mim, e sem falar nada, foi embora.

No outro dia, a mesma coisa. Fiquei a tarde inteira sozinha. Com raiva pelo horário que ele chegou, fingi estar dormindo. Então ele se deitou e nem teve a curiosidade de saber se era verdade!

ADÃO:

Hoje, inventei uma nova forma de capturá-la. Um engenho com galhos, pedras e cipó. Tentei a tarde inteira com inúmeras frustrações. Cheguei arrasado em casa. Queria contar à Eva, mas quando cheguei ela estava dormindo! Dormindo antes de mim! Fui dormir enfurecido.

No outro dia, mais frustrações com a serpente. Não importava o quanto rápido eu fosse, quantas armadilhas eu fizesse, nada me fazia pegá-la.

Cheguei em casa mais cedo e encontrei-me com Eva, que estava estranha. Compartilhei com ela as minhas frustrações e ela disse ter encontrado um fruto que me ajudaria a dar conhecimentos e habilidades para pegar a serpente. Iremos até a árvore amanhã pela manhã.

EVA:

Mais uma vez, esta tarde, Adão me deixou sozinha. Cansada de esperar, tomei uma decisão, fazer outro Adão de barro. Peguei o barro, passei a moldá-lo, fazendo as alterações que eu achava necessárias. Quando terminei, não consegui fazê-lo viver, então, uma serpente apontou-me um fruto que me daria poder suficiente para fazer o barro viver. Comi do fruto, e quando voltei para casa, Adão estava lá e amavelmente chorou ao meu ombro, contando suas frustrações. Tenho certeza que o fruto o ajudará no que precisa.

ADÃO:

Houve tarde e manhã e fomos expulsos do paraíso para um lugar hostil, terrível. Eu sinto cansaço, não tenho mais fôlego para correr. Me sinto tão fraco. Tenho vergonha de Eva, pois não consigo dar a ela o que precisa. Chorei por 3 dias. Fujo pelas matas e só vou para casa quando tenho certeza que ela está dormindo. Quase não nos falamos.

Ela está diferente, engordou. Estou com medo.

EVA:

Tudo mudou muito desde que fomos expulsos. Não há mais comida em abundância e preciso buscar eu mesma a comida, pois o Adão some e eu mal sei do seu paradeiro. Eu colho frutos, caço, cozinho. Fiz uma cabana por causa das chuvas fortes. Sinto-me enjoada, e minha barriga cresceu. Sinto batidas. Era estranho. Até que após dores muito fortes, tive dois meninos lindos.

Com o nascimento dos garotos, minha esperança estava toda neles, pois Deus havia dito que nossa salvação viria de meus descendentes.

Por outro lado, os trabalhos dobraram e Adão mal quis saber o nome dos meninos.

ADÃO:

Eva teve dois filhos nossos. Isso me traz muita esperança. Não quero nem me encontrar com eles. Vou observá-los crescer e nos salvar como Deus prometeu. Toda minha esperança de salvação agora está nos nossos filhos.

EVA:

Os meninos estão grandes, estão crescendo, mas Adão mal fica com eles, não lhes ensina sobre Deus. Tenho dito a ele que, não é porque Adão não teve pai, que nossos filhos não poderiam ter um. Mas ele não me ouve!

ADÃO:

Uma coisa terrível aconteceu! Já não bastasse tudo o mais. Um dos nossos filhos matou o outro e fugiu! Perdemos os dois filhos de uma vez, e toda a nossa esperança. Tenho pensando que esta história de salvação era conversa fiada do Criador. Creio que não há mais salvação para nossos filhos.

Eva está arrasada e não olha mais para mim. Só chora. Essa é a grande diferença entre nós: enquanto as mulheres choram, os homens trabalham. Agora eu caço e colho frutos durante a tarde toda. Quando eu chego, Eva cozinha a carne, mas comemos calados e sem nos falar. Acho que ela está grávida novamente.

EVA:

única anotação: pode existir dor maior para uma mãe que o de perder um filho? Sim, a de perder um filho pelas mãos do outro filho.

ADÃO:

Eu e o Sem, meu filho, saímos às tardes e tem sido muito bom. Tenho lhe ensinado a caçar e colher frutas e ele aprende com muita inteligência. É um ótimo caçador. Tenho certeza que ele será um homem melhor do que eu.

EVA:

Adão tem sido um bom pai para Sem. Eles chegam da caça e jantam juntos e depois ainda conversam bastante. Eles tem me dado muito orgulho.

Sem já escolheu sua mulher dentre suas primas e logo deverá nos abandonar. Eu e Adão estamos envelhecendo…

Última anotação de EVA:

Ontem Adão me deixou para sempre. Andava doente e cansado dos dias. Por causa disso, antes de partir, pediu que reunisse toda a família, todos os filhos e filhos dos seus filhos. Reunimos uma imensidão de filhos e a família estava enorme. Adão e eu ficamos muito emocionados.

Então, após rever todos os nossos filhos e as famílias que eles formaram, ele pediu para subir em um monte afim de dar sua última palavra. Ele disse que estava em débito com a família por conta de algo muito importante.

Falou sobre o amor de Deus, o Criador. Lembrou do Éden, e de tudo o que Deus havia criado para nós. Depois disso, pediu perdão em meio às lágrimas aos seus filhos pelo seu pecado original, e nos contou do grande perigo de afastar-se de Deus para outros propósitos. Falou que a vida só valia a pena se adorássemos a Deus, e que apesar de todos os nossos erros e nossas inabilidades, Deus continua conosco, e providenciou salvação para todos nós, através do seu descendente, a quem deveríamos todos esperar com muita expectativa. Pediu a todos os seus filhos que se lembrassem de Deus e que reconstruíssem o mundo após o estrago que havia feito, afastando-se da maldade e se tornando imagem e semelhança de Deus.

Quando acabou todos estavam chorando, orando e adorando a Deus. E contavam uns aos outros aquela história.

No início da noite, depois que nos despedimos de todos, Adão me levou no lago e lá pediu desculpas por não ter estado ao meu lado sempre que precisei.

Ficamos os dois em silêncio, e, com os rostos refletidos no lago, junto às estrelas, como se Deus, satisfeito, estivesse espiando a nós dois, perguntei a ele:

- Quem é você?

- Não sei, acho que sou você.

- Mas você é diferente.

- Então sou você diferente.

E deitei em seu ombro.

Vi então que tudo quanto Deus fizera era muito bom!

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